A arte da libertação ²




A arte da libertação (Do medo, do anseio, do ciúme, etc) oferece-nos a continuação das palestras de Jiddu Krishnamurti presentes em outra edição da Ediouro com o mesmo titulo.
Com este livro, é nos assim providenciado o acesso às suas outras quatro conferências em Puna, Nova Déli e uma alocução radiofónica, todas elas em 1948.



Trecho: "Interpelante: Em vista da guerra iminente e da devastação atômica da humanidade, não é vão concentrar-nos na mera transformação individual?

Krishnamurti: Esta é uma questão muito complicada, que requer cuidadoso estudo; espero que tenhais a paciência de acompanhar-me passo a passo e de não desistir a meio caminho. Sabemos quais são as causas da guerra; elas são bem patentes e até um colegial é capaz de discerni-las: ganância, nacionalismo, desejo de poder, divergências geográficas e nacionais, conflitos econômicos, Estados soberanos, patriotismo, uma ideologia da direita ou da esquerda impondo-se a outra, etc.
As causas da guerra são engendradas por vós e por mim. A guerra é a expressão espetacular de nossa existência de cada dia, não é verdade? Identificamo-nos com um determinado grupo nacional, religioso, ou racial, porque isso nos confere uma sensação de força; e a força, inevitavelmente, provoca a catástrofe. Vós e eu somos responsáveis pela guerra, e não Hitler, nem Stalin, nem nenhum outro super-chefe.
É muito cômodo dizer que os capitalistas ou os chefes desorientados são os responsáveis pela guerra. No íntimo, cada um deseja riqueza, cada um deseja poderio. São estas as causas da guerra, e os responsáveis sois vós e eu. Acho que está bastante claro que a guerra é o resultado de nossa existência diária, com a diferença, apenas, de ser mais espetacular e mais cruenta.
Uma vez que todos estamos procurando acumular posses, amontoar dinheiro, criamos, naturalmente, uma sociedade com fronteiras, limites e barreiras aduaneiras; e quando uma nacionalidade isolada entra em conflito com outra, resulta inevitavelmente a guerra — o que é um fato. Não sei se tendes pensado neste problema. Temos a guerra à nossa frente, e creio ser nossso dever averiguar quem é o responsável por ela. Um homem sensato, sem dúvida, reconhecerá que é responsável e dirá; “Vejo que estou causando esta guerra e vou, por isso, deixar de ser nacionalista, não terei patriotismo nem nacionalidade, não serei hinduísta, nem muçulmano, nem cristão, mas um ser humano.” Requer isso uma certa clareza de pensamento, clareza a que, em geral, nos furtamos. Se, pessoalmente, sois contrário à guerra — mas não por causa de um ideal, visto que os ideais são empecilhos à ação direta — que deveis fazer? Que deve fazer o homem sensato que se opõe à guerra? Deve, antes de tudo, purificar a sua mente, não achais? — libertar-se das causas da guerra, como, por exemplo, a avidez.
Logo, se sois responsável pela guerra, deveis libertar-vos das causas da guerra. Significa isso, entre outras coisas, que deveis deixar de ser nacional. Estais disposto a isso? Não estais, evidentemente, porque gostais que vos chamem hindu, brâmane, ou qualquer que seja o vosso rótulo. Isso significa que venerais o rótulo e o preferis a viver sensata e racionalmente; por essa razão, estais caminhando para a destruição, quer vos agrade, quer não."


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